sexta-feira, 22 de novembro de 2019

Autópsia Poética

Meu novo bloco-notas
Trouxe-te por esta questão:
Resolvi fazer a autópsia
Desta poesia, porque não?

Está à mão de semear
Foi mesmo agora escolhida
Vou assassiná-la depressa
Para a morgue vai remetida,

Umas quantas letras
Na região interfractal
Algum vaso cortarão
Momentum mortis final,

Durante a observação
Na busca de ferimentos
Notei-lhe umas cicatrizes
Fruto de alguns sentimentos,

Ao dissecar o poema
Vi fibras entrelaçadas
Inspirações de musas
Generosas, dedicadas,

E sensações insinuadas
Lá atrás no nosso eu
Que notei neste poema
Algo dele afinal meu,

Pena agora, ainda criança
Ter que vir a falecer
Observei também os dias
Que cresceu até nascer...

Completamente despojado
Da sua roupa, da sua pele
Apresenta-se singelo como
Uma simples folha de papel,

Que alguém na sua busca
De mais alargadas vistas
Achou por bem sacrificar
Ao deus dos necrologistas,

Thánatos de seu nome
Preside a esta operação
De escarafunchar o poema
Na procura da solução,

Quem matou o poema?
E como foi que o fez
Qual foi o motivo?
Inútil, gratuito, soez...

Foi a fútil curiosidade
O desejo de saber
Aquilo que não se sabe
E que se tem de aprender,

Teve pois este poema
Razões para ter existido
Sobreviveu à ciência
Aqui está ele redigido,

E não o vou apagar
Vou antes guardá-lo
Não vá a crítica da poesia
Tentar ainda censurá-lo...

Ao acercar-me dele notei
Que se instalara o rigor mortis
O interesse nesta ciência
Foi por certo a causa mortis...


21-11-2019 - 15.10


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