quinta-feira, 31 de outubro de 2019

Corvo Negro

Lá está a música a tocar
Cordas do meu coração
Eu vou voltar ao ninho
Voei mais longe que a ilusão,

Perdeu-se onde não era
O lugar que eu queria
E na noite, a negrura
O meu caminho tolhia,

Mas voltei ao conforto
Do ninho que é só meu
Um ninho que me custou
As lágrimas que sorveu,

Voarei uma vez mais
Quando o dia chegar
Buscarei lá nas alturas
Poiso onde me empoleirar:

- Cuidado corvo negro
Não gostam muito de ti
És preto e muito esperto
Eu já ao longe te vi...

Voas livre e veloz
Nos ares que são teus
E que se estendem vastos
Tão vastos quanto os meus,

Admiro-te corvo negro
Sou parecido contigo
Ninguém te vê mas tu vês
As sombras do inimigo,

Eu voo olhando para ti
Faço como tu fazes
Vou apanhando amores
Como aqueles que tu trazes,

Os brilhos que apelam
Ser oferecidos à dama
E ornamentas teu ninho
Com atributos de cama,

Ensina-me tu corvo negro
A fazer-lhe a côrte assim
Talvez com o teu conselho
Voe para junto de mim...

31-10-2019 -15.40

Musa #569

Assombra-me desnorteado
O fantasma desse amor,
Esse amor imaginado
Nutrido, belo, desvelado
Sublime no seu penhor,

Desnorteado pois não sabe
Que no céu uma estrela brilha,
Que nunca sai do seu lugar
À sua volta, veloz a girar
O sideral carro a via trilha,

E a dor de ver o fantasma
Implorando por clemência,
Dói-me mais que a dor
De ver perdido o amor,
De perder a sua essência...

O amor assegura, delega
Porque tem confiança,
Tem a certeza de amar
De se poder entregar
A essa bem aventurança,

Nunca tal me aconteceu
Apenas esboços e sinais,
Um aqui, um outro além
Parece não haver ninguém
E eu, às vezes não posso mais,

Convenço-me contrafeito
Que o trabalho está acabado,
Mas a dura realidade
É que da exibida verdade
O manto está esburacado,

Vêm-se aqui e mais além
Lacunas de consistência...
Saltitando pela vida
Bicos dos pés, perdida...
Uma dor de consciência...

Para mim que tanto gostei
De um dia a ter conhecido,
Vale o amor por esse dia
Descrevi-o e escreveria
Poemas de amor perdido,

Pois que até já os escrevi
Prenúncios de actualidade,
Oráculos da musa Erato
Apresentados com o tacto
De uma semi-divindade,

Muito a Erato agradeço
A noviça que me apresentou,
Deu bem conta do recado
Estou muito mais inspirado
O seu trabalho acabou...

31-10-2019 - 21.00

Gráfico

Bem, e aqui já escrevi
Mais uns versos a juntar
A um acervo já grande
Que ando a querer publicar,

Todos feito no decorrer
Dos idos anos de vida
Registando as situações
Com a inspiração sentida,

E assim posso agora ver
Em tudo aquilo que escrevi
O fluxo que me fez vibrar
Na frequência em que vivi,

Como nela vivi e vivo
Pois continuo a escrever
Anotando em folhas A5
O que tenho que dizer,

Quero fazer um gráfico dos
Eixos da escrevinhação
Das abcissas e ordenadas
A sua gráfica representação,

Quero ver se descubro
Nesse estudo uma relação
Entre a passagem do tempo
E os pontos de inspiração,

E dessa forma divisar
O sinusóide da poesia
E assim consciencializar
O que escrevo a cada dia,

E terá regulação
Essa onda poetizada?
Seria giro modular
A frequência registada…
 
E também a amplitude
Levada em consideração
Estou curioso de saber
Da sua antiga relação,

E desta forma talvez
Conseguir ver o que há
Entre a musa e o poeta
E descobrir onde ela está...

30-8-2019 – 16.30

Reparo

Muitas vezes não reparo
Que é a minha própria sonda
Que me busca a mim mesmo
Neste comprimento de onda…

2-9-2019 – 15.50

Périplo

Até quando verei o mundo
Por através destes olhos?
Até o barco em que navego
Se desfizer nos escolhos...

Singro apesar da corrente
Mareio à bolina na vida
E pese embora este vento
Não tenho a vela recolhida,

Entre marés e tempestades
Lá vou no barco deslizando
Através dos mapas o rumo
Com a régua vou traçando,

Neptuno vai-me indicando
Os pontos de referência
A rota vou compensando
Das correntes a divergência,

Não sei qual é o destino
Mas o oceano me mostrará
E como descendo dele
Por certo bom-porto haverá

Sou marinheiro da vida
Respiro a água e o sal
Maresia do fundo mar
Na profundura abissal

Sou marinheiro da vida
Pelas vagas embalada
Foi do sol e do salitre
Esta minha pele tisnada

E neste barco onde vou
Sou só eu a tripulação
Vou manobrando o leme
E o infinito é o capitão.

15-8-2019 - 15.29

Dia Nublado

Venham nuvens cinzentas
Escurecer o meu dia
Quando o azul de uma flor
Era tudo o que eu queria

Essa planta não consegui
Que criasse raízes
E outras mais raras criei
Raras e doutros países...

Venham nuvens negras
Façam a chuva cair
Limpar ruas e corações
Das penas que estão por vir,

Ensombrem já, quanto antes
Não tenham tempo a perder
Caiam já em catadupas
As chuvas que hão-de haver,

Assim me quedo neste dia
Nesta sensação dorida
De cumprir a missão
Por mim mesmo atribuída,

Deixar de ser sensível
A qualquer beleza a passar
Reflectir e muito bem
A quem o amor vou dar,

Não me assusta a solidão
Aliás, nunca me assustou
Estou de bem comigo
Gosto daquilo que sou,

Não preciso que me digam
Como é que o mundo é
Tenho olhos na cara
Ele está mesmo aqui ao pé...

Venham nuvens escuras
Despejem água no porvir
A ver se lavam isto tudo
E o sol volta a sorrir...

31-10-2019 - 12.30

Triste-Feia

Quem foi a Triste-Feia?
Uma mulher que ali viveu
E terá sido tão marcante
Que o nome ao sítio deu,

Nesses tempos antigos
Em que a beleza era rara
Eram comuns as feiosas
Pois Afrodite era avara,

E dessas parece que uma
Esse lugar influenciou
Com a sua personalidade
Que até alguns cativou,

Depois da sua morte
Sua lembrança ficou
E tinha tal energia
Que o espírito pairou,

E tocado intercedeu
Levando as gentes a dar
O nome de Triste-Feia
A esse antigo lugar...

2-8-2019

Slide


Sliding on poplar leaves
I’m heading for a fall
This dried yellowish rug
Is a trap and no small,

Leaves on the sidewalk
Carpeting the downway
Lay on the polished marl
Inviting me to sway,

At last, the downway ends
I find myself on the plane
I’m ready for the doctors
And don’t even feel no pain…

And unable to forget
This morning daydream
I will try to summarize
What these words mean:

And be ware you readers
Of this here remembering:
Even though it swiftly slides
One must always try standing…

28-8-2019 – 09.45

Musa #124

Hoje pensou em mim musa
É meia-noite e eu sei
Lembrei-me de si lembrando
Segredos que lhe revelei,

Bem haja menina querida
Por de mim se ter lembrado
Fui vê-la só para a ver
O blog foi só um recado...

Não lhe pedi o número e veja
Eu nunca lhe telefonaria
A não ser que mo dissessse
Mas nesse caso marcaria,

O número com deleite
Sabendo que ouviria
Do seu lado a voz dizer
Que falar comigo queria...

Não posso deixar de rogar:
- Não me olhe como um deus...
Leia-me e saiba, sou humano
Um admirador, dos seus...

As ondas electrodomésticas
Das transmissões caseiras
Traduzem-se em horas a fio
De afanosas e vãs canseiras...

Olhe lá ó musa a energia
E o direito de a usar
Estão mais perto de si
Do que você pode pensar...

Hoje por acaso faço anos
E queria-lhe oferecer
Uma coisa especial
Para eu também receber,

Uma joia como amostra
Do quanto você me chama
E de quanto, cada vez mais
O amor por si reclama,

Não quero dizer o nome
Pois vai ser publicado
Como símbolo de alquimia
Só a si será revelado,

Já estou cansado do dia
Vou parar de escrever
Mas tenho mais uma coisa
Que lhe queria dizer:

Nota como tudo está bem
Quando falamos os dois?
O que se operaria em nós
Se acontecesse um depois?

31-10-2019 - 00.15

quarta-feira, 30 de outubro de 2019

A Revolta Das Coisas

As coisas revoltam-se
Com muita facilidade
Ajudadas pelas forças
Das quais a gravidade,

Desempenha um papel
Quiçá preponderante
As coisas caem no chão
E somem-se num instante,

Levadas pela embalagem
Pelos cantos se escondem
E mesmo que as chamemos
Claro que não nos respondem,

Vão no esconderijo passar
Dias, meses, anos, quem sabe
Talvez nunca encontradas
E sua procura nunca acabe,

Já tive casos desses
Como este de agora
Em que guardei algo
E saí pela porta fora,

E agora não me lembro
Onde é que pus aquilo
Não que me faça falta
Mas eu não tenho um quilo…

Revoltam-se as coisas
Contra o nosso domínio
E com elas o acaso brinca
Entre as dobras do fascínio,

Como desaparecem lestas
Escondidas à nossa frente
E procuramos horas, dias
Mas nunca o suficiente,

Quando elas quiserem
Ou o acaso lhes dite
Lá apareçam por fim
Como se por convite…

Pois entretanto operámos
Na equipa a substituição
E agora temos um par
E um dilema em decisão,

Eu já comprei um cabo
E tinha outro sem saber
Fui a correr e comprei-o
Para nenhum uso vir a ter,

Pois o outro encontrei
Pendurado atrás da porta
Tal como devia estar
Mas disso fiz letra morta...

Ainda tenho por encontar
Uns 20 paus de placa
Há mais de dois anos
E ainda a ideia me ataca...

De encontar a tal coisa
Que me desapareceu
Para ficar de reserva,
E na reserva se escondeu,

Tenho pois uma reserva
Para quando não há
Mas o pior é que a guardei
E não sei onde está…

7-8-2019 – 18.32

Musa #148

Agradeço a sua presença
Na travessia do deserto,
E em muitos momentos
Deram-me força tempos
Em que estava por perto,

Sei que não mais a vi
Mas sem a sua ideia perder,
De a voltar a encontrar
Consigo de novo falar
Por si de novo escrever,

Eu sei que não deveria
Agradecer-lhe assim,
Mas queria que soubesse
Das teias que o mundo tece
Para atingir o seu fim,

Muito obrigado Susana
É só o que posso dizer,
A sua ideia deu-me calma
Acalentou-me a alma
No ordálio que fui fazer,

Não esqueci as conversas
Que tive consigo outrora,
E a que mundos a levei
Por lhe falar do que sei
Por isso agradeço agora,

A inspiração que me deu
Na vida que estou a viver,
Por mais palavras que rime
Não sei dizer quão sublime
É, à sua presença volver…
 

26-6-2019

Nomenclatura

A hesitante Helena
A agridoce Manuela
A dileta musa Susana
A improvável Gabriela,

A mui esbelta Marta
A audaz e arredia Cristina
São todas elas musas
Joias na minha vitrina,

A séria e distante Flávia
A desconhecida que passa
São todas a mesma musa
Só diferem é na graça,

Em todas elas existe algo
Mas desconheço o que seja
É como uma gema em bruto
Que o amor lapidar almeja.


25-7-2019

Poesia Mineral

Agradeci ao infinito
E uma lágrima correu
De gratidão pela prenda
Que esse poder me deu,

Essa benesse da pena
Que escrever me faz
E que eu tanto agradeço
Pelo bem que me traz,

Pois a escrever eu vivo
Palavras vêem de mim
E realmente não concebo
Que possam vir a ter fim,

Pois do oceano mental
Onde as sereias são musas
Extraiem-se das rochas
As poesias nessas drusas,

Que depois de escolhidas
E de lapidadas as glosas
Ganham a radiosa vida
De rimas quiçá preciosas.


19-7-2019

Khristós

Recebi hoje uma Biblía
E por sinal bem bonita
Com capa de cabedal
E marcador de fita,

Já estive a limpá-la
E a grafite a apagar
Dum lápis decidido
A um exegeta imitar,

Nunca folheei tal livro
Há muito o queria ter
É possível que até leia
Coisas que tenham a ver,

Com arquétipos antigos
Que há muito enraízados
Nos desvelem a verdade
Sobre os poderes instalados,

A Biblía alguém escreveu
Foi quiçá levado a isso
Por um deus que apareceu
E depois levou sumiço,

Teve que aqui encarnar
Para falar directamente
Com o homem que vivia
Na terra do antigamente,

Foi tal a sua influência
Que ainda hoje sobrevive
No dia-a-dia do homem
Que a sua presença revive,

Mentor da paz e da guerra
Paladino da revolução
Apontou certo o dedo
Às políticas desse então,
 
E ensinou novo caminho
Feito de paz e amor
Em que se vai andando
Pela mão do professor,

Para provar o que pregava
Deixou-se martirizar
Derramou na terra o sangue
Para a terra fecundar,

Com uma nova semente
Que depois de germinar
Já cresceu o bastante
Para assim continuar,

Khrístós avatar da vida
Viveu cá para aceitar
Ser o novo Manu
Deste sistema solar.


18-7-2019

Consciência

Preocupa-me que todos
Nós tenhamos que morrer
Mas eu até compreendo
A razão disso acontecer,

As formas envelhecem
Mas o conteúdo aumenta
Há que vir noutra forma
Pois a velha não aguenta,

O crescer dos seres viventes
A cada vida que se passa
E cada vez mais consciência
Que ter um eu é uma graça,

Pois consciência de nós
Passámos agora a ter
Sabemos bem a quem dói
Quando sentimos doer,

E é essa quintessência
Desse saber emergente
Que vamos acumulando
No nosso inconsciente,

Para um dia virmos a ser
Sabe-se lá o quê...
Talvez até uma estrela
Que lá de longe se vê…

8-7-2019

Fartura

Cada vez tenho mais musas
Nunca me dou por satisfeito
Mas posso dizer que por elas
Tento fazer mais bem feito,

E por falarmos de musas
Muitas musas há-de haver
Há tanta beldade na vida
Que o problema é escolher,

Desde as ditas normais
Às mais belas do mundo
Posso escolher quem quiser
Para chegar lá ao fundo,

Da fonte da inspiração
Que o seu sussurro tem
E se concretiza por fim
Na rima que delas vem.


12-7-2019

Do Fardo

Quando carregas o sexo
Como um fardo a cumprir
Algo está mal, muito mal
Não há interesse em fruir...

2-6-2016

Da Inspiração

Estou só a ouvir música
Deitado na minha cama
E uma sensação nova
Do ar deste dia emana,

Como o abrir doutro mundo
No meu já velho existir
E das musas a inspiração
Voltasse de novo a vir...

12-4-2019

Do Receio

Receio que o mundo vos tenha feito
O que a todos nós tem que fazer,
Levar-nos pela vida atrasando
Aquilo que qeríamos ir ganhando
E tudo o que nos resta é sofrer,

Sabíamos de antemão o caminho
Passar sem medo os cruzamentos,
Sabendo que o risco que se irá correr
Saciar o coração que se não morrer
Pelo menos guinda-se aos momentos,

Vejo assim a minha vida dividida
Entre o padecimento e o receio,
O que hei-de fazer ainda não sei
Apostar num futuro em que voarei
Ou neste presente de dúvidas cheio?

7-12-2016

Sob Condição

Se se pudesse morrer
Sem morrer, eu morreria
Para ganhar um novo ser
Para viver um novo dia...

2015

Da Esperança

Só a esperança nos liga
Ao porvir que não sabemos,
E não é errado esperar
Pelo bem que há-de chegar
E que recusar não devemos,

A Humanidade anseia
Mas sem se aperceber,
Por algo de bom na vida
Pois da dor, desmedida
Já sabe o que tem a saber,

Envolvida em teias alheias
Com curto raio de acção,
Só lhe restam os anseios
De uns quantos devaneios
Que lhe aquecem o coração.

2007

Rádio Renascença

Voltar atrás no tempo
Para visitar o passado,
Apaixona os cientistas
Mas até agora sem pistas:
Está o caldo entornado,

Contas e mais contas
Estudos e prospecções,
Ainda não deram nada
Nesta ideia alimentada
De desejos temporões,

Quando afinal a resposta
A esta questão premente,
Não está na matemática
Essa ciência emblemática
Mas aqui à nossa frente,

Oiça na Rádio Renascença
Uma amostra do passado,
No pós-guerra continua
É a verdade nua e crua
É o segredo desvendado.



31-12-1998

Paradeiro Conhecido

Onde está o nosso dinheiro
Destes impostos pesados.
Que nunca chega para a saúde
Por mais que a coisa mude
E com hospitais fechados?

E até as maternidades fecham
Coisa que nunca se viu,
O que o governo quer dizer
É que quem parir quiser
Vá para a puta que a pariu,

Mas entretanto para Timor
Vão donativos aos milhões,
Para mostrar na verdade
Deste governo a caridade
Mas só para outras nações,

Pois podem os portugueses
Que só servem para pagar,
Suportar o sacrifício
De lhes sustentar o vício
De só os outros ajudar,

Só o desprezo podemos
De livre vontade lhes dar,
Já que o nosso sustento
Se perderá no novo aumento
Que não tardarão em lançar..

30-6-2006

Ocultação

Falam tanto da saúde
De quanto custa tratar,
Mas onde está o orçamento
Do general e do sargento
Que não se pode consultar?

Já vasculhei à procura
No orçamento de estado,
Mas como não o vi
Simplesmente assumi
Que não foi publicado,

Mas não foi porquê?
Pergunta alguém curioso,
É que os valores envolvidos
São enormes e mantidos
No segredo mais poderoso,

É que muito do dinheiro
Que este país produz,
É sempre entregue à treva
Que a maior fatia leva
Não sobra nada para a luz,
 
E que o trabalho que se faz
O sacrifício que é feito,
É o menos considerado
E o pior recompensado
Só para lhes fazer jeito,

Que se os braços caíssem
Inertes sem nada fazer,
O poder que detêm cairia
Nas mãos do povo e seria
A nossa vez de dizer,

Que mundo queremos ter
E que punição vos sugerir,
Já que os anais da memória
Têm da vossa história
Um negrume a ressarcir,

Nunca fostes necessários
A vossa existência é imposta,
Desde o nascimento à morte
Tem sido vossa a nossa sorte
E sempre tresandou a bosta,


Quereis que votem em vós?
Que vos deleguemos a vida?
Teríeis que ter razão
E teríeis que fugir senão
Que valeria a vossa vida?
 
15-10-2011

Musa #185

Por coisa única na vida:
Amor forte, profundo!
Visão de olhos e cabelo
Num emoldurante novelo
Ondeado até ao fundo,

A tez clara contrasta
Com o castanho escuro,
Os seus olhos de profundis
Prometem imago mundis
Se ainda houver um futuro...

Sim, falo consigo na boa
Não sei se nunca a terei,
Da sua mão fria ao patamar
Não me consigo (agora) guindar
Por isso sonho consigo, eu sei.


21-7-2016

Fim de Semana em Lisboa

É fim-de-semana
O tempo pode mudar
Pode chover e trovejar
Ainda bem
Quando se acorda há uma sensação de liberdade esquecida
Apetecida, desejada
Finalmente conseguida,

Lá, junto ao rio
Ficou o lugar dos dias de semana
Inerte, fechado
Como que temporariamente esquecido
Mas constantemente lembrado
Num lamento calado
Como um fado sentido
Mas recusado...

É fim-de-semana
Passa tudo a correr
O tempo
A vida
Numa relatividade constante
Ameaçadora
Frustrante...

A liberdade de passear nas ruas surge como mais uma benesse fiscal que pode ser cortada
Caminha-se como que desbravando território desconhecido, andando numa cidade conhecida que não é mais nossa
O olhar abarca os bairros tentando extrair a essência que entretanto foi usurpada por anúncios gigantescos
Que avassalam os espaços abertos, as mentes, os corações e ocupam os olhos incautos 
Numa imposição obscena de pseudo-necessidades materiais, e alcançam tudo o que possam tingir, sabe-se lá com que tintas, em pinceladas supérfluas que se multiplicam
Como os pombos que se vão multiplicando
Alimentados pelos loucos que vão passando
Num presente insano que busca sonhos e ilusões
Como que perdido num deserto de actualidades ocas
Loucas...

É fim-de-semana
Nas gavetas da memória dos fins-de-semana
Agita-se a lembrança
Evoca-se a semelhança
Mas a semelhança é tudo o que existe nessa memória
Estes novos fins-de-semana não têm história,
São encaixados uns nos outros como elos de uma corrente, besuntados com o óleo da correria veloz, do tunning temporal da cidade em corridas perigosas, comercialmente desastrosas -
São todos iguais
Apressados mas normais
Fúteis mas actuais
Recheados de centros comerciais em outdoors e outlets numa acne purulenta e teimosa
Aqui e além, e depois mais ali e acolá
E depois sabe-se lá onde até que a cidade perca a sua imagem
Até que deixe de ser uma cidade e passe a ser uma coisa indefinida
Comercialmente criada
Intelectualmente destruída
Da verdade despojada...

Indelevelmente marcada, a velha cidade busca refúgio nas noites vadias,
Nos nevoeiros nocturnos em ruelas desertas e antigas, que vibram de passado e matizes apagados
Nas azinhagas esquecidas pelo alcatrão que a cal e areia teimam em debruar numa franja de antiguidade pintada de musgo, como uma janela que se abre na memória perdida
Nas hortas pintadas de verde que atapetam vales disfarçados de avenidas e vias rápidas, numa miscelânea de feira popular
Nos silêncios que a cada esquina evocam as ideias que aqui nasceram, acalentadas pelo futuro abrigado num casebre de adobe e um catre de madeira
Numa manhã de pesca lacustre esquecida no tempo que um pintor esboça numa inspiração inusitada
No fim-de-semana encontram-se traços a cada curva, numas escadinhas perdidas, num alpendre que se insinua como uma recordação de outras vidas, num telhado florido que o jardineiro tempo cuidou com desvelo…e...

Alheio a tudo, o Tejo acaricia a cidade
Num vai e vem de marés
Afaga-lhe as faces
Beija-lhe os pés
Trabalha sempre a descansar
Numa calma fluida a marulhar
E a sua cidade é um campo aberto
Onde vai lavando as ruas e vielas
Os becos e as travessas
Com o cheiro a maresia
Numa alucinação de marinhagem e velame
Que fervilha invisível nas docas e cais
Vazios, numa nostalgia de azáfama e glória perdida

Fins-de-semana normais
Não têm história

16-2-2006

Maria da Graça

Milhares de vezes passei
Na velha rua onde vivemos,
Mas nunca me deu para ter
Registos desse acontecer
Naquilo que lá fizemos,

Tardes loucas dum amor
Que nos enchia o dia,
Um querer e o ensejo
De no poder do desejo
Teu ser sempre me queria,

Segredos bem guardados
Pelo amor que nos unia,
Que eu em casa recordava
E com prazer dissecava
Pois ainda não o conhecia,

O prato do vaso de flores
E a sua mensagem oculta,
Que mesmo tão utilizada
Nunca foi por nós esgotada
Nem merecedora de multa...

6-2-2018

Musa #425

Estas cerejas que como
Vieram do coração
Por isso as saboreio
Com tanta satisfação...

14-5-2019

Preocupação

A preocupação nunca acaba,
Por vezes arredada para as franjas da inconsciência,
Lá permanece até que o tempo lhe dá força para surgir de novo.
Pressão que nos impele a rasgar o dia-a-dia,
Ou sou eu, ou os outros ou algo que não sabia.
Lá vem ela assim que acordo
E só se despede quando o sono a vem remover.
Ou é isto ou aquilo,
E sobre mim se vem estender ,
Abarcando a existência,
Numa tenaz insolência que não se pode repreender,
A incompleta sobriedade
A inconstância do ser
São um pesado ónus que a preocupação factura
Força resistente que perdura
Companhia presente e futura,
De que só o passado mostrou não ter consciência
Arquivo morto da existência
Que uma infeliz apetência a minha vida marcou,
Preocupação e saudade,
Entroncamento de emoções
Mistura instável e explosiva
Dor cruel e abusiva
Sem remédios nem soluções.

2-8-2007

Dementia

A casa sem ti está vazia pai
Apenas cheia da tua ausência,
Está aqui a mãe que ficou
Mas que nunca recuperou
Por completo a consciência,

Estavas já num outro lado
E ela acordava ansiosa,
Pelos débeis resultados
Pela medicina apresentados
Na solução medicamentosa,

Tu eras uma trave que ruiu
E que sustentava a estrutura,
Eu só consigo esta vivência
Porque me sirvo da experiência
De conviver com a loucura,

Deu cabo de ti e de outros
E mais que nessa via privem,
Presos num limbo inatingível
São o espectáculo horrível
Dos mortos que ainda vivem.

2011

Comigo

Estou sozinho acompanhado
Pois estou aqui comigo,
Tiro o máximo de proveito
Pois que levo isso a peito
E feliz com o que consigo,

Estando aqui comigo
E fazendo-me companhia,
Quando dialogo e disserto
E defino o que está certo
A noite não é tão vazia,

Assim vou dormir comigo
E a mim me vou aquecer,
A ver se não tenho mais dores
Que não sejam dos amores
Pois estas já fazem doer...

18-5-2019

Da Saudade

É tão profunda a saudade
Implacável a recordação,
Dos meus pais ainda juntos
Falando dos seus assuntos
Passeando mão na mão,

E como os vi a decair
Mirrando às mãos do tempo,
Nas doenças que eu via
Como sinal de que um dia
Chegará o meu momento,

Cada vez que entro a porta
Não sei o que vou encontrar,
E na expectativa da tristeza
Apoio-me na firme certeza
De que tudo irei enfrentar,

Mas quando a vejo acordada
Olhando espantada para mim,
Que importa que esteja molhada?
Depois de limpa e lavada
Tem mais um tempo até ao fim,

E naquela casa onde nasci
Todo o tempo que lá estou,
Reconheço o que lá está
Para que a memória não vá
Perder parte do que sou,

Olho à volta a minha infância
Nas divisões reflectida,
Ali brinquei, ali dormi
Aprendi, sofri e ri
Revejo ali a minha vida,

E como um sonho remoto
De ruínas e hospitais,
Tão bem espelhou os temas
Dos presentes poemas
Nas situações actuais,

Não mais é uma prisão
Mas tenho apego à casa,
Vivi lá por tantos anos
Curei tantos desenganos
Que é a minha tábua rasa,

Sei dos móveis, as madeiras
Os cheiros e as texturas,
Das matérias existentes
Naquela casa e entrementes
Há lampejos de loucuras,

Recordações do meu pai
Completamente perdido,
Vivendo no seu universo
Um quadro mais que perverso
Que foi por mim assistido,

Mas há lá boas lembranças
De felicidades sem par,
Infâncias de brincadeira
Em que a alegria era a primeira
A chamar-me para brincar.

29-9-2011

Convencido

Acabei por convencido
Que o país está a morrer,
Já Portugal não vejo
E poucos têm desejo
De o ver renascer,

Procuramos onde está
Mas da voz já sumida
Só uma toada dorida
Do moribundo se ouvirá,

Ouço um lamento doente
Na vida que ninguém quis
Vou assistindo impotente
À morte do meu país...

13-5-2008

Dias Perdidos

Onde estão os dias de alegria
Perdidos no tempo-espaço,
Paulatinamente substituídos
Por pesadelos sofridos
Com a dureza do aço?

Onde está o eu que fui
Quem tomou o seu lugar?
Alguêm que me é estranho
Num papel o qual tenho
Dúvidas em representar...

2013

Esquizopoesia

Tenho vários eus comigo
Registos de consciência,
Frequências onde se regista
Cada uma em sua pista
Com infinita competência,

Mas no fim sou só um
Tenho muitas facetas,
Encarno personagens
E do actor as imagens
Vêem do passado directas,

Quando em vários papéis
Desde refugiado barbudo
Com radicais posturas,
A polícia em várias alturas
De um pouco, fiz tudo,

E até antes na poesia
Vários escreviam em mim,
Uns de falar arrebatado
Outros dum mais ponderado
Filosofar sobre o fim,

Mas tudo se resumiu
Ao eu que escreve agora,
E se outrora fiz pouco
Das manias de um louco
Também eu vou por aí fora…

19-6-2019

Reino Vegetal

Que melhor reflecte a beleza
Que as formas duma flor?
E no entanto é sexual...
Mas como não vemos o ardor
Achamos esse sexo normal...

Mas quantas loucuras
Esse mundo não carrega,
Uma sexualidade vegetal
Com expressão total
Numa natural entrega,

Híbridos cruzamentos
De poléns diferentes,
Penetram os ovários
Com se fossem sacrários
De amantes exigentes,

Plantas que são dióicas
E outras hermafroditas,
Numa explosão de amor
E fazendo-nos o favor
De serem todas bonitas,

Mais um natural prodígio
O povo do reino vegetal,
Todo pleno de intenção
Acentua-nos a impressão
De que nem tudo está mal.

18-6-2019

Película

Uma fina película
De acontecimentos
Marca o desenrolar
Da sucessão de momentos.

6-2007

O Preço Certo

Nunca cheguei a perceber
O apego ao “Preço Certo”
Será por não ser exigido
Que se seja muito esperto?

Mas o certo é que milhares
Vêem sempre esse programa
Quando bem melhor seria
Passarem esse tempo na cama...

Mas que raio de ideia!
Para o que lhes havia de dar!
Pô-los a adivinhar o preço
Das merdas que vão levar!

E todos batem palmas
Quando isso acontece
Pôe-se o pagode em festa
Pois o pessoal merece!

Ver a crassa estupidez
De meia dúzia de mecos
Que se apresentam todos
Para fazerem de bonecos,

Parecem os matraquilhos
Manejados com preceito
Até marcam muitos golos
Mas sempre do mesmo jeito,

Pois aos varões soldados
Pouco se podem mexer
Só agem dentro dos limites
Do que os deixarem fazer,

Que pobreza de espírito
De quem se deixa levar
A ver essa merda horas
Sem nada com isso lucrar,

É por isso que a RTP 1
Persiste nesse concurso
Toda a gente é convidada
Para fazer figura de urso…
 

9-7-2019