A verdadeira história de Vitalino Sempre-Sempre
Ou
A Odisseia de Malacosteus indicus
Ou ainda
Meu bicho, meu amigo
Relegado pelo fatal destino para as profundidades abissais, Vitalino Sempre-Sempre cedo começou a aperceber-se da necessidade de adaptação ao novo meio ambiente.
Na ausência da luz do sol começou por criar protuberâncias luminosas as quais atraíam o necton que lhe possibilitava a sobrevivência. Ciente da escassa quantidade de vitualhas que o rodeava
e da abundante concorrência, substituiu a abóbada palatina por um dispositivo tipo barbas de baleia que lhe possibilitava acrescentar o plancton à já magra ementa que experimentava. Foi no decorrer
destas actividades cinegéticas que encontrou, como por acaso, esse alguém que iria modificar todo o seu modus vivendi; encontrou Malacosteus indicus, Vitalino Sempre-Sempre sentiu nascer no seu âmago um sentimento de fraternidade oceânica, um misto de igualdade de condições e objectivos
comuns. E sem uma palavra, sem um telegrama, sem um telefonema Vitalino Sempre-Sempre seguiu com Malacosteus indicus para os níveis entre os 1000 m e o fundo do mar onde a caça era mais abundante e os cadáveres vindos das camadas superiores pairavam lugubremente qual supermercado bentónico.
Depois
de um salutar repasto de orca com filictenas e calamar semi-decomposto Malacosteus indagava:
- Caro amigo Vitalino, pois o que o traz por estas paragens apenas demandadas por um ou outro afogado ou por uns bidões com lixo atómico?
- Bem... eu... sabe... a questão é a seguinte; lá em cima fui muito desprezado. Quando nasci tinha já metro e meio e visto
ter só um olho no meio da testa o meu paizinho queria que a minha mãe me deixasse à porta dum convento das carmelitas, todavia fui crescendo até atingir os seis metros e meio altura em que a minha
mãezinha resolveu alugar uma traineira e deitar-me ao mar com um poste de iluminação ao pescoço.
- Mas...caro Vitalino tenho ouvido dizer que lá em cima respiram ar, como é possível que?...
- Bem... sabe amigo Malacosteus, parece que o meu nascimento está relacionado a um devaneio da minha mãezinha com o ciclope Polifemo que por acaso conheceu num livro da escola...e como o ciclope era amigo da feiticeira Circe...enfim,
tenho esta coisa de respirar submarinamente, olhe tem piada! Quando era novo o meu paizinho metia-me a cabeça debaixo de água por largos espaços de tempo e nada me acontecia...mas...já agora ó
Malacosteus: que tal se vive aqui nos abissais?
- Olhe ó Vitalino, cá vamos! Há amigos; o Lampanyctus pusillus, o Melanocoetus johnsoni, o Caulophryne acinosa e à saída do serviço, vamos até às montanhas submarinas onde nas grutas as lulas gigantes dão
espectáculos de strip-tease ou até às falhas do sima ver os shows de sexo ao vivo com artistas importados das camadas da superfície, sardinhas com enguias ou peixe-frade
com cavala, e depois já vê, sempre é divertido devorarmos uns amigos, não é? Porque isto aqui não é forte em comida e...
E alegremente Vitalino Sempre-Sempre e Malacosteus indicus viveram muito felizes daí por diante. Vitalino Sempre-Sempre acabou por juntar-se a um cachalote transexual e Malacosteus indicus dedicou-se a ser ama seca das ninhadas sucessivas do casal Sempre-Sempre que eram lindos rebentos de sessenta metros de comprimento com um olho na fronte e com
tendência para encontrarem amigos por acaso, com mastros de navios pendurados ao pescoço.
1987
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