segunda-feira, 28 de outubro de 2019

Vida Cansada

A vida cansa e mói. 

Vai chegando em direcção a nós e de certeza que nos erode e desgasta inexoravelmente.

 A justaposição dos momentos acaba por se tornar algo ao qual não sabemos o que fazer face à rapidez do evento 

Acordamos de manhã para mais um dia, mas a recordação do passado confere-lhe, parte das vezes, uma carga negativa. 

Olhamos para o mundo de novo, mas pouco nos estimula ou interessa, face à repetição rotineira das mesmas situações e o carrinho de avanço do terror social.

Na rua, as ambulâncias num paroxismo sonoro atestam a possibilidade de a qualquer momento podermos lá ir dentro, usufruindo do dislate de ruídos que constata a gravidade do nosso estado. Uma premente questão será se as sirenes e buzinas serão curiais para a rápida chegada ao hospital ou se as mesmas colocam o paciente, já em pânico, mais calmo ou não, e se, ainda, as mesmas não contribuirão mais para a surdez dos transeuntes e habitantes do que a urgência o justifica…

O cansaço da vida advém também dos diversos episódios de perda pelos quais todos nós passamos. Um amigo, um familiar, um amor. Confirmamos assim, com certeza que o nosso fim está próximo e pode acontecer a qualquer momento, tal como já tínhamos verificado nos episódios acima referidos.

Depois desta constatação o íntimo já interiorizou o futuro, distante ou perto, consoante a experiência e a idade, mantendo uma noção subconsciente do fim. Essa opção vai-se agigantando no nosso interior, com o passar do tempo, as ocorrências que vemos corroborá-la e o implacável desenrolar dos eventos.

Outra razão para a erosão e o cansaço são os projectos sonhados, as quimeras utópicas e as tentativas falhadas. Os sonhos, as utopias que a luz do sol, sempre parece apoiar mas geralmente calcina à nascença.

Os primórdios da vida afastam essa noção, face à distância no tempo, mas muitos de nós não esperam tanto. Muitos morrem sem terem vivido a vida deste mundo. Como se padecessem de vinte ou trinta minutos para completar algo, que nunca saberemos o que era.

Surge, ainda mais, da luta terrível para sustentar o corpo, as suas necessidades e desejos, reais ou criados, consoante o carácter, a exposição à publicidade e a disponibilidade energética existente. 

A exigência constante da energia para manter tudo isto esvazia-nos o ser, e o gosto pela vida, a qual, sabemos agora, não será eterna nem feliz. 

É desta forma que olhamos as ruas que percorremos, acordamos ou adormecemos, e encaramos um novo dia. 

Olhando a luz do sol, mas sabendo da dureza e inexorabilidade intrínsecas.

 Passeamos o olhar pelo mundo, quiçá aguilhoados por outro ser, para quem as vicissitudes da vida e os seus mistérios permanecem ocultos. É assim que nos levantamos hirtos, crispados pelo novo dia, objecto de invectivas e recriminações, qual alvo de frustrações e desânimos.

Cansa-nos muito a vida pois a experiência humana, espúria e temporária, nunca alcançará os pergaminhos a que se guinda, na conceptualização bíblica da sua importância. 

Desta forma, os tão famosos “planos” e “carrinhos de avanço” servem apenas como uma tentativa de justificação de um futuro que não se sabe se existirá mas que o estudo da evolução das idades remete para a extinção e o esquecimento.

Os impérios actuais, tão cruéis como os de ontem, exercem a sua escravatura disfarçada, mas eficazmente. 

A observação dos seus desígnios através das notícias constitui um dos factores mais relevantes do mundo de hoje em dia.

Instala um estado de espírito frágil, submisso, aquiescente face aos problemas apresentados, logrando instalar a culpa em quem não a tem e reafirmando os remorsos de quem os não tem. 

Para justificar tudo isto falam linguagens diferentes, de economia e gestão, com “esotéricos” jargões que mais não fazem que velar os velhos negócios e artimanhas com que a humanidade nos contemplou ao longo dos tempos.

Não temos muitos temas que nos confortem ou amenizem o sofrimento. 

O desenrolar do dia-a-dia pautado pela política agrava, qual Cassandra, as nossas perspectivas. 

Existem tantas Cassandras quanto as más notícias. 

A certeza é que o dia seguinte poderá ser pior. 

Por certo. Cassandra assim o afirma, e não temos muitas razões para duvidar do seu vaticínio…

Frenesins e remoques, repentes e toques, tudo parte de um desdém que a falta de sabedoria converte numa arma. 

Qual o alvo?

E de nós?

Quem nos apresenta sublime o mundo, quem nos aponta as estrelas e o céu? 

Troante alarde de natura que se desvanece na nossa consciência qual meteoro que se extingue após a luz que emanou. 

Vereda estreita onde andamos aos encontrões, sem ver luz no fundo do corredor.

2-7-2013

Sem comentários:

Enviar um comentário