quarta-feira, 30 de outubro de 2019

Da Saudade

É tão profunda a saudade
Implacável a recordação,
Dos meus pais ainda juntos
Falando dos seus assuntos
Passeando mão na mão,

E como os vi a decair
Mirrando às mãos do tempo,
Nas doenças que eu via
Como sinal de que um dia
Chegará o meu momento,

Cada vez que entro a porta
Não sei o que vou encontrar,
E na expectativa da tristeza
Apoio-me na firme certeza
De que tudo irei enfrentar,

Mas quando a vejo acordada
Olhando espantada para mim,
Que importa que esteja molhada?
Depois de limpa e lavada
Tem mais um tempo até ao fim,

E naquela casa onde nasci
Todo o tempo que lá estou,
Reconheço o que lá está
Para que a memória não vá
Perder parte do que sou,

Olho à volta a minha infância
Nas divisões reflectida,
Ali brinquei, ali dormi
Aprendi, sofri e ri
Revejo ali a minha vida,

E como um sonho remoto
De ruínas e hospitais,
Tão bem espelhou os temas
Dos presentes poemas
Nas situações actuais,

Não mais é uma prisão
Mas tenho apego à casa,
Vivi lá por tantos anos
Curei tantos desenganos
Que é a minha tábua rasa,

Sei dos móveis, as madeiras
Os cheiros e as texturas,
Das matérias existentes
Naquela casa e entrementes
Há lampejos de loucuras,

Recordações do meu pai
Completamente perdido,
Vivendo no seu universo
Um quadro mais que perverso
Que foi por mim assistido,

Mas há lá boas lembranças
De felicidades sem par,
Infâncias de brincadeira
Em que a alegria era a primeira
A chamar-me para brincar.

29-9-2011

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