segunda-feira, 4 de novembro de 2019

Do Tempo

Avançamos no tempo
Consumidores de vida,
Devoramos a consciência
Sôfregos na dependência
Da estimulação sofrida,

Numa corrida inexorável
Sempre em aceleração,
De crendice em azelhice
Nem notamos a velhice
Que nos gasta o coração,

Tudo é tão repentino
Sem a calma que devia,
Anos que parecem meses
São na memória por vezes
A recordação dum dia,

Nunca paramos a pensar
Nem desatamos os nós,
Nunca ouvimos o mundo
Às vezes vamos ao fundo
Mas nunca ao fundo de nós,

Para nós a vida carece
De termo de comparação,
Nunca nada lembramos
E debalde pesquisamos
Outra reencarnação,

O tempo, as nuvens, o dia
Tudo vemos a passar,
E vem a noite a cair
Para nos convidar a ir
Recolher e descansar,

Lá nesse onde ignoto
Nesse existir vizinho,
Com tudo para descobrir
Só o medo ousa surgir
Para ensombrar o caminho,

Porta aberta, escancarada
Que ninguém ousa transpor,
Sempre olhada com medo
Tem a aura de um segredo
Que se teme com fervor,
Que véu de ignorância
Nos acompanha pela vida,
Que quando se desvanece
Deixa ver como se tece
Nesta malha bem urdida,

Saudosos de não sei quê
Num outrora que passou,
Evocamos as histórias
Saboreando nas memórias
O cerne que já secou,

E de costas para o futuro
Vamos vendo o passado,
Sumir-se no esquecimento
Do interminável momento
Que é o presente ignorado,

Mistério da existência
Gruta que não tem fim,
Escuridão só rasgada
Pela alma entusiasmada
Que ousa viver assim,

Íngreme inóspita via
De traçado tortuoso,
Exige do peregrino
Que elabore o destino
A cada passo temeroso,

Esta alameda remota
Pelo querer encontrada,
Afigura-se poderosa
Qual mãe extremosa
A seus filhos dedicada,

Dela se vê o mundo
Na guerra, na fome, na dor,
Partilhando a ansiedade
E a busca da liberdade
Que dissipará o temor,

Um dia assim, outro assado
Corre o tempo sem parar,
Em grutas e em estradas
As caravanas atribuladas
Anseiam por lá chegar,
Nada pára o tempo
No seu correr apressado,
A alegria e a tristeza
A dúvida e a certeza
Caminham ao nosso lado,

Por vezes da natureza
Recebemos um conforto,
Uma convicção feliz
Que a intuição nos diz
Ser a luz dum bom porto,

Mas logo os escolhos
Que a geografia dispôs,
Nos estreitam a passagem
Consumindo a vantagem
Que a intuição nos propôs,

Só quando já cansados
Destas rajadas de vento,
Nos soltamos um bocado
Sós num voo imaginado
Recobramos o alento,

Olhamos de novo a ver
E lá está tudo outra vez,
Fomos nós que mudámos
Do que ontem pensámos
Retirámos a altivez,

Somos hoje mais velhos
E talvez mais humanos,
Pressentimos os mistérios
E do fausto dos impérios
Só tiramos os arcanos,

Vendo signos e sinais
Que os antigos traçaram,
À distância da eternidade
Percebemos a verdade
Que outrora procuraram,

E as pedras que deixaram
Escritas para nos falar,
São no fundo um espelho
Onde nesse mundo velho
Nos voltamos a mirar,

E olhando para os antigos
De quem nos chega a voz,
Confirmamos que eram
No legado que nos deram
Tão conscientes como nós,

Muitos outros cá estiveram
Muitos outros hão-de vir,
É um ponto de passagem
Uma estação numa viagem
De busca para descobrir,

O nosso ponto de partida
Que há muito esquecemos,
Descobrir donde viemos
Que caminhos fizemos
E que destino teremos,

Nessa jornada sem fim
Personificando o mito,
O vento nos vai levando
A navegar desbravando
As rotas do infinito.



  13-4-2007

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