sexta-feira, 22 de novembro de 2019

Certidão de Óbito


Encontrei-o já inanimado
E dediquei-me às exéquias
Tinha sido estrangulado:
Apresentava petéquias...

Algo havia nele escrito
Que não seria agradável
Por isso foi sentenciado
Como poema descartável,

Trouxe-o desta feita
Para este embalsamar
Pois achei mais de acordo
Com o seu precoce finar,

Retirei-lhe os órgãos
Bem à egípcia maneira
E guardei-os em canopos
Dispostos numa fileira,

Alinhados pelo valor
Em primeiro o coração
Depois os outros seguidos
Em decrescente titulação,

Mergulhei-o em natrão
Uma poderosa salmoura
Para o lograr desidratar
Como se um peixe fora,

Enrolei-o em faixas largas
De linho alvo e fino
E enchi-lhe de algodão
O esvaziado intestino,

Depois os produtos apliquei
Em camadas sucessivas
Incensos, bálsamos, óleos
E outras matérias votivas,

E para terminar bem a obra
Depois vieram os vernizes
Aplicados em pinceladas
Para realçar os matizes,

Dos contornos do defunto
Concedendo-lhe permissão
Para ir para o outro mundo
Com solene tributação,

E ficou assim pronto
Para o Osírico tribunal
Faltava só o sarcófago 
De raíz de nogueira, normal,

E escrevi em hieróglifos
Esta apropriada elegia:
- Eis a múmia de um poema
 Que não viu o fim do dia.

Se alguém o quiser sepultar
E colocar-lhe um epitáfio
Tem a minha permissão
Para lhe erigir um cenotáfio.

22-11-2019 - 12.30

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