Estou sempre em sofrimento
Pesam-me as noites e os dias,
De depressão em depressão
Resta-me no espírito a sensação
De a intenção ter outras vias,
Olho as coisas e dói-me
Saber que todas irão passar,
E quando olho o semelhante
Noto que a forma itinerante
Aguarda um dia soçobrar,
Não que da matéria de facto
O índice tivesse acabado,
Mas já não se tem a estaleca
De devassar a biblioteca
Como outrora foi tentado,
Eu vejo os corpos a ruir
Sombras de ímpares belezas,
Imagens a que muitos corações
Concederam as suas paixões
Hoje não são mais que tristezas,
Que se arrastam pelas ruas
Exibindo a decrepitude,
Retratos duma vida gasta
A que a doença arrasta
A caminho do ataúde,
Estou sempre sofredor
Pois é o meu horizonte,
A cada dia que passa
Por detrás da vidraça
Quedo a ver defronte,
A vida do Homem na Terra
O seu pesar e sofrimento,
Dói-me às vezes mais a mim
Por saber dum outro fim
Para eliminar o tormento,
Eu vivo sem saber como
Sempre a isso assisti,
A gente vai respirando
Vai comendo, vai obrando
É tudo o que sempre vi,
De altos ditames da mente
A raridade é o reinante,
Apenas as tretas mundanas
Ocupam horas e semanas
Em mediocridade asfixiante,
Resta o acaso vir ditar
O que deve ser feito,
Nada é preciso mexer
Basta o tempo correr
E tenderá para o perfeito,
É o infinito que sabe
É o acaso que manda,
Se o devir lhe pertence
Quem pode dizer que o vence
Não vejo outra solução
Ergo os olhos ao infinito,
Perante tais calamidades
Disfarçadas de verdades
Perco a cabeça e grito,
Grito como se no deserto
Pudesse gritar sem fim,
Num urro animal e feroz
Quase a evocar o atroz
Que mora dentro de mim,
E não esperem outra coisa
Aquiescência ou comedimento
Alguém encetou uma guerra
E será testemunha a Terra
De mais este sacramento,
Pois sabemos que a via
A cruz tem como final,
Ninguém riposta impune
E o elo que nos une
É de um silêncio sepulcral.
29-9-2012
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