E vejo gente incompleta
Que passa sem se afastar
Que choca, pisa e empurra
Sem sequer se importar,
E sinto o ar poluído
Que respiro sem saber
O pão dado ao pobre
E que ninguém vai comer,
E oiço o conselho de amigo
Que se toma por banal
O homicídio diário
Considerado normal,
E toda a gente que passa
Não passa de gente formal
Que come, dorme e ama
Como se fosse animal,
E vejo a revista proibida
Que passa de mão em mão
Rasgada e suja dos dedos
Do polícia e do ladrão,
E oiço conferências de paz
Que não convencem ninguém
Sobre o custo da paz comprada
Que não voltou, nem vem,
E sinto a presença
De tanta gente instruída
Cheia de ideias tortas
Para endireitar a vida,
Vida que escape e corre
Sem que nós demos por isso
Que nos foge aos segundos
No novo relógio suíço,
E sinto a botija que aquece
Os pés frios do operário
Construindo as ideias
Nas notas do seu salário,
E ando à procura de um livro
Que não se pode comprar
Pois a ideia implícita
Não se pode explicar,
E escrevo palavras de raiva
Pelo curto espaço de vida
Que não dá tempo a ninguém
De ter uma vida vivida,
E vejo o soldado robot
Que não se importa de matar
Que não se importa de morrer
Para a sua vida salvar,
E vejo a vida nova
Do bébé que nasce agora
Do louco traumatizado
Que vagueia por aì fora,
E leio a guerra que mata
Leio a bomba que destrói
O novo gás secreto
Que quando mata não dói,
E oiço a canção de protesto
Que o guedelhudo canta
E a velhinha beata
Que reza por nós à santa.
1973
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