domingo, 27 de outubro de 2019

Demência

Querem saber da demência?
Saibam que a conheço bem
Vi-a aniquilar o meu pai
E convidar a minha mãe…

Como tive que a conhecer bem
Posso dizer que a demência
Não se trata de uma presença
Mas, ao contrário, duma ausência,

Uma ausência que se nota
Na consciência perdida
Noutros lugares e mundos
Mas malgrado nesta vida…

Não é um agente que ataca
Mas algo que está em falta
Querendo tratar o inexistente
A taxa de insucesso é alta,

O corpo enfraquecido
Pela degradação da mente
Obedece, mas sem tino
Às tarefas do antigamente,

E assim todas as acções
Carecem de fundamento
São ordens que o ser dá
Desconexas ao momento,

Gestos que vêm do hábito
Que continua a ordenar
Que se repitam os passos
Da operação a realizar,

Mas tantas são as lacunas
E muitas as áreas vazias
De velhas glórias já idas
Medalhas de áureos dias,

Fica tudo tão confuso
Que não se logra perceber
Razão nos disparates todos
Que persistem em fazer,

Mesmo procurando sempre
Não a conseguimos achar
Talvez porque já lá não está
Foi com a demência voar...

E torna-se inútil continuar
A tentá-la compreender
A demência não se abrange
E ficamos sempre a perder,

O tempo, a paciência
E a vontade de saber
Duma panaceia eficaz
Para a demência resolver,

Mas tal coisa não existe
Pois não se pode tratar
A consciência perdida
E a noção de assim estar,

Vi isso à minha frente
Vezes e vezes, sem conta
Pois do nó embaraçado
Já está perdida a ponta,

É o acesso à memória
Que se mostra bloqueado
A demência corta os fios
Que ligam ao registado,
 
Já não sabem quem são
E a família desconhecem
Parece que da vida a noção
Continuamente esquecem,

E o que será a demência?
Que nunca foi explicada:
Talvez seja a derradeira luz
No humano forno apagada…


2-9-2019 – 07.45

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