domingo, 27 de outubro de 2019

Urânio Rico vs Urânio Pobre

Muito se tem falado sobre o enriquecimento do urânio. Que o Irão possui centrifugadoras para o fazer; que a Coreia do Norte também e que até podem mandar enriquecê-lo noutros países ou adquiri-lo já enriquecido, enfim que no mundo existem lugares onde se enriquece urânio. Como é óbvio a procura do enriquecimento está em alta e a oferta limitada pois só uma pequena faixa de possui a tecnologia e o "know how" para o empreendimento.
Portugal desta feita está na mó de baixo; tem jazidas de minério mas já não exploradas. Ora se não o tem não o pode enriquecer e se o tivesse não poderia fazê-lo. Nem pensar!
Mas como a história nos demonstra, os ciclos repetem-se e o carro continua a sua perpétua carreira. Outros tempos virão e, mais cedo ou mais tarde, esta febre de enriquecimento do urânio dará por certo lugar à procura do seu empobrecimento. Tal como as modas se vão repetindo ao belo sabor dos estilistas também estas coisas dos mercados são cíclicas e alternam entre períodos de procura e oferta e é precisamente essa a estratégia a seguir aguardando pela procura do empobrecimento do urânio.
Será nessa altura o momento oportuno de Portugal lançar o seu maior trunfo:
Puxando pelos seus pergaminhos a classe política portuguesa terá uma chance de ouro para realizar aquilo que anda há tantos anos a prometer fazer: contribuir de modo efectivo para a riqueza do país (do país, note-se bem, o povo ficará pobre como está pois nem as mais avançadas tecnologias de centrifugação podem fazer alguma coisa por ele), executando uma tarefa para o qual estão especialmente vocacionados e preparados. Especialistas como são nesta matéria do empobrecimento, os governantes portugueses estão por certo à altura dessa hercúlea tarefa que já se divisa num futuro não muito distante. Não será fácil cremos. Um urânio enriquecido ganhou novo estatuto na Tabela de Mendeliev e não será com duas cantigas que irá abdicar das suas prerrogativas e primazias. Sabemos bem das dificuldades que sempre acarreta lidar com substâncias como os elementos pois, ao contrário de muitas outras coisas, são muito persistentes na sua natureza e é muito difícil enriquecê-los e ainda mais empobrecê-los. Estamos no entanto convencidos que os governantes portugueses não se deixarão enternecer ou compadecer com naturezas rígidas, firmezas de carácter ou hábitos já adquiridos pois, como é do conhecimento geral, a experiência tem-nos feito sentir cabalmente na pele o seu grau de assertividade e determinação no empobrecimento da população, sem vestígios de compaixão ou carinho.
Como diz um velho provérbio japonês "O vento não espera que a árvore se dobre" e a classe política saberá com certeza soprar o vento da miséria sobre o urânio enriquecido com o mesmo fôlego e denodo com que há muito vêem bafejando quase que a totalidade da população portuguesa (pode ter-se esquecido e por isso vimos lembrá-la). Acontece que existe a pobreza material, emocional e espiritual. Para se atingir a pobreza material é também necessário atingir as restantes, como garante de que o objecto de empobrecimento não voltará a erguer a cabeça.
Eis alguns tópicos para obter a pobreza material:
- Não o aumentem durante 10 anos, deixem a inflação espremê-lo, façam-no trabalhar horas extra sem receber, criem novos impostos ou aumentem os existentes, de seguida deixem de lhe pagar e façam de conta que está tudo bem testando desta forma o grau de sucesso das medidas tomadas. Por fim ponham-lhe à frente a carta demissão e se ele não assinar ameacem-no com processos disciplinares e mesmo castigos corporais.
- Ou pura e simplesmente retirem-lhe todas as possibilidades de arranjar um emprego.
Para obter a pobreza emocional:
- Façam de conta que não existe ignorando-o por completo umas vezes e depois impliquem com ele noutros dias. Falem-lhe com "duas pedras na mão" ponham-lhe a auto estima no mínimo, tentem convencê-lo que a razão para o seu calvário é da sua inteira responsabilidade ou ponham-no num gabinete sózinho sem nada para fazer.
Para obter a pobreza espiritual:
- Preocupado com a sua situação, o urânio em empobrecimento não terá tempo ou paciência para se debruçar sobre assuntos mais elevados, como as grandes questões da humanidade, a vida e o seu sentido ou a busca espiritual de novas crenças e concepções. Bastará garantir que a sua atenção incida apenas sobre as suas malapatas e como escape dêm-lhe, futebol, fátima e fado.
Se mesmo assim o obstinado urânio enriquecido se mantiver fiel à sua estrutura atómica e não se se deixar empobrecer, podem sempre pôr a Polícia ou mesmo as Finanças a persegui-lo. Moam-lhe o juízo com registos e inscrições em diversos sites governamentais com prazos a cumprir e sanções administrativas.
Como pano de fundo deste processo bombardeiem-no com publicidade a vários níveis; televisão, rádio, imprensa, outdoors e por telefone diáriamente a várias horas do dia ou mesmo às 10 horas da noite. Encham-lhe a memória de complexos processos judiciais, tenebrosos casos de polícia e emaranhadas questões macro-financeira que o ultrapassaam, sempre com o jargão ininteligível da economia. Exijam-lhe atenção para as crianças desprotegidas, as mulheres maltratadas, a pedofilia, o crime organizado, a guerra; a diabetes, o colesterol, a tuberculose, o cancro da mama, a obesidade, a ejaculação precoce, a flatulência, a infertilidade e a caspa e façam-no crer que os problemas nacionais, ambientais, mundiais, as tatuagens, o grafitti a situação na Venezuela e a má época do Sporting carecem de um nível mais alto de vigilância.. Em estado de alerta constante, sem saber donde elas vêm e com tanta pedrinha no sapato, temos a convicção que o urânio enriquecido não terá já a clareza de espírito para se aperceber do logro em que caiu e não encontrará outra solução senão abdicar da sua riqueza, na esperança que não o chateiem mais ou que pelo menos lhe deixem os electrões em paz por uns tempos e, certamente, muito lamentará ter sido enriquecido. Se por acaso o urânio em fase de empobrecimento pensar que ainda tem algumas hipóteses de voltar a ter uma existência normal, dêm-lhe a entender que isso está fora de questão da forma elegante que costumam utilizar. No estado a que se chega durante o processo de empobrecimento as defesas ficam em baixo e com os constantes sobressaltos que a comunicação social tão bem instila diáriamente na mente popular, não demorará muito até que o urânio enriquecido tenha finalmente empobrecidol a ponto de ter de conviver com elementos menos ricos como o ferro, o chumbo ou mesmo o intratável antimónio e irá comparecer no Centro de Emprego quinzenalmente para regulizar a situação como toda a gente. Não será difícil antever o estado do urânio empobrecido em Portugal. Sem um cêntomo no bolso, com uma neura das grandes, pouco lhe restará para fazer do que ler os jornais gratuitos, discutir futebol ou concorrer aos concursos da televisão. E porque não há-de resultar com o urânio enriquecido? Resultou conosco.

Sem comentários:

Enviar um comentário